Conheça o mangá “Sakamoto desu ga?” (Quem é Sakamoto?)

Uma comédia diferente!

O anúncio de「Sakamoto desu ga?」é um acontecimento que eu realmente não esperava, pois é uma obra seinen alternativa da Enterbrain, algo não muito comum no Brasil. Sem dúvidas o anime foi decisivo no licenciamento da Panini, mas não deixa de ser uma surpresa.

Talvez você mesmo não esteja familiarizado com essa editora ou só tenha ouvido falar da Enterbrain em relação aos jogos. De fato a empresa é tão pequena que só tivemos alguns mangás no Brasil: 「Astral Project」 pela Panini; 「O Senhor dos Espinhos」, 「Thermae Romae」 e  「HP Lovecraft」 pela JBC; 「Log Horizon」 pela NewPOP; e 「Ooru」 e 「Bambi」 pela Conrad.

Realmente, perto de editoras como a Kodansha e a Shueisha, a Enterbrain não parece grande coisa, já que as duas anteriores têm séries de fama avassaladora, com vendagem absurda, centenas de adaptações para a TV, cinema e teatros… Mas não subestime a editorazinha, afinal, mesmo sendo pequena, com séries que não vendem nem perto de um Naruto, é uma das editoras que mais possui obras premiadas e nomeadas no Japão. De fato, toda nomeação tem pelo menos um indicado dessa empresa, sendo que as premiações mais culturais às vezes viram uma competição entre várias obras da Enterbrain.

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Capa da Harta de fevereiro de 2014.

Sim, porque a Enterbrain se especializou em seinens maduros alternativos, obras de caráter mais cultural, criativo e inovador. Até mesmo a sua revista atual, a 「Harta」, mostra bem a diferença de mundos: enquanto as revistas infantojuvenis (como a 「Shounen Jump」, 「Bessatsu Margaret」 e 「Shounen Sunday」), são impressas de formas descartáveis com péssima impressão, a 「Harta」 é uma revista de capas artísticas, com ótima impressão e mesmo papel e encadernação dos volumes de mangás. As editoras por lá não são muito claras quanto aos papéis utilizados, mas é algum tipo de brite de alta qualidade e de boa espessura, de fato um volume dessa revista é igual a um volume de mangá de maiores dimensões, e também custa muito mais. Outras características são a ausência total de propagandas, ausência de páginas coloridas tirando o índice e capas limpas sem chamadas. É uma estratégia totalmente diferente das grandes editoras.

É claro que isso não quer dizer que todas as obras sejam magníficas, tem coisa que não dá certo ou o autor põe a perder, mas se você leu 「Thermae Romae」 você deve conseguir perceber como é simplesmente único e diferente daquele mangá Jump que você já conhece há muito tempo.

Em países de mercado e público mais maduro, várias obras de sucesso da Enterbrain são disputadas e lançadas simultaneamente, como os títulos da Kaoru Mori, autora de 「Emma」 e 「Otoyomegatari」 (A Bride’s Story). Infelizmente o Brasil ainda não está nesse ponto e, até este momento, todas as obras lançadas aqui eram publicações mais datadas e da revista 「Comic Beam」, uma irmã naqueles moldes mais tradicionais. 「Sakamoto desu ga?」 é a primeira obra atual da editora desde a época em que se lançava 「Bambi」 e a única da linha da 「Harta」 (antiga 「Fellows!」).

Embora seja óbvio que Sakamoto deu as caras por conta do anime, não consigo não ter esperanças que a vinda dele e de mangás como 「Arakawa under the Bridge」 dê espaço para ainda mais obras desse tipo adulto de comédia e, quem sabe, abra alas para vários outros sucessos dessa editora e de outros demais gêneros adultos e maduros.

Vale comentar por último que a Enterbrain há algum tempo se fundiu com outras editoras e empresas do ramo, sendo parte do Conglomerado Kadokawa. Entretanto a empresa ainda gerencia e publica suas próprias séries e revistas, inclusive light novels, como 「Log Horizon」.


Visão Geral e Adaptação

『Sakamoto desu ga?』 (algo como “Sou Sakamoto, não sabia?”) começou a ser publicado na revista 「Fellows!」 no início de 2012, um tempo antes de ser reinventada com o nome de 「Harta」, onde a série deu continuidade e foi concluída em dezembro de 2015 com 24 capítulos encadernado em 4 volumes, tendo sido adaptada para uma série animada agora em 2016 com 13 episódios.

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Trata-se da primeira obra profissional da autora Nami Sano, que até agora ainda não deu início a nenhuma outra série. Trazer novatos e profissionais inéditos também é um dos objetivos da 「Harta」, por isso não é nem um pouco incomum casos como o de Nami.

Embora curto, o seinen foi licenciado em diversos países, tendo a autora inclusive sido convidada para vários eventos ao redor do mundo, um fato que ela mesmo admite ser assustador em uma de suas entrevistas.

Aqui no Brasil a série será publicada pela editora Panini, ainda sem uma previsão, mas já deixo avisado que não terá páginas coloridas, já que a revista em que saiu não trabalha dessa forma (como já comentamos acima). Abaixo as capas originais.


História, Comédia e Temática

Na história Sakamoto é um estudante simplesmente perfeito, melhores notas, dotado de uma beleza transcendente, habilidades físicas inquestionáveis – é o cara mais popular e carismático de todo o colégio. Contudo sua extrema perfeição acaba atraindo atenção de mais, tanto das mulheres e moças apaixonadas, quanto dos rapazes enciumados… Mas Sakamoto é o cara e consegue lidar com qualquer coisa que a vida ponha em seu caminho!

Este mangá é uma daquelas obras cuja a história em si não é nem um pouco importante, de fato as informações sobre os personagens são extremamente escassas, quem exatamente é Sakamoto? O roteiro acaba sendo apenas um pretexto  para trabalhar a temática daquele episódio de forma engraçada, exagerada e beirando o ridículo.

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Sakamoto não precisa de Google Earth.

De fato os capítulos são realmente episódicos e giram em torno de assuntos da vida estudantil e formação de caráter, como bullying, respeito ao outro, orgulho vs. arrogância, responsabilidade, etc. Quase todos esses capítulos são feitos usando a mesma receita: a apresentação de um personagem com algum problema (seja por causa de outros, social ou até problemas de atitude e moralidade), um desenvolvimento totalmente sem noção que surpreendentemente leva à resolução ou lição de moral ao final.

A sacada da série está exatamente nesse desenvolvimento, afinal Sakamoto não é uma “pessoa normal”, além de ser extremamente excêntrico e habilidoso, Nami Sano vai além lhe dando capacidades sobre-humanas ridículas, condensadas em “habilidade especiais” completamente absurdas e banais. Somado a todo esse teor nonsense, absurdo e exagerado, a autora ainda trabalhou no início com algumas cenas de “fanservice” nos lugares e situações “erradas” ou de forma despropositada, o que torna ainda mais ridículo a coisa.

Por causa disso tudo a primeira impressão da série é de que a autora precisa parar de se drogar e que nada parece fazer sentido. O ponto, entretanto, é que não é necessariamente para ser lógico ou fundamentado, são apenas cenas e acontecimentos em volta desse Sakamoto que desafiam nossa capacidade de prever o que vai acontecer, afinal o personagem não é nada normal ou segue a obviedade do nosso dia a dia. Em alguns momentos Nami Sano chega até a tirar sarro da cara do leitor, elevando a um nível ainda mais absurdo, só para te dizer depois que é claro que aquilo não seria possível, tá louco? Rs.

É a soma de tudo isso que torna a obra algo inédito e surpreendentemente interessante, além de absurda e ridiculamente engraçado.

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Neil Patrick Harris <3

Durante minha leitura da obra, notei como o personagem Sakamoto me lembrou muito o Barney Stinson da série televisiva 「How I Met Your Mother」. Os dois são dotados de capacidades absurdas (como de nunca tirar uma foto ruim), de uma lógica peculiar, ambos tem uma fixação por certo tipo de vestimenta – no caso de Sakamoto o uniforme e o de Barney o terno – e igualmente se veem colocados em situações banais exageradas e elevadas a um ridículo.

Embora sejam diferentes em vários aspectos também – como Sakamoto representando o correto e moral, já Barney representando o irresponsável e imoral – ambos os personagens têm a mesma essência que os tornam engraçados: os absurdos que fazem e em que se metem.


Arte e Design

Vou ser sincera, alguns desenhos da autora podiam ser muito melhores… Não foram poucos os braços, mãos e dedos que pareceram quebrados ou deslocados – note o braço na imagem com as cadeiras abaixo. Esses defeitos, contudo, não são suficientes para tirar o prazer da leitura e de certa forma essa arte mais humilde soma-se ao ridículo do mangá, tornando a coisa até mais engraçada.

Levando em consideração como a autora é jovem e essa é sua primeira obra profissional, fora o fato da série ser autenticamente hilária, seus deslizes são perfeitamente perdoáveis. Com certeza não é uma arte “primorosa”, mas dá conta do recado, depois de um tempo acompanhando você se acostuma com esse estilo sem problemas.

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Uma das coisas mais interessante que esta autora faz é se utilizar de técnicas e ferramentas de destaque típicas das revistas e obras shoujo e shounen para aumentar ainda mais o ridículo e o exagero da cena. E isso ela faz tão bem que várias pessoas confundem se essa não seria uma obra dessas demografias.

Note as flores, enquadração dos cabelos aos ventos e o foco no rosto angelical típicos de shoujos para elevar a beleza do personagem, as linhas de fundo e movimento, além de nome de golpes e técnicas especiais, uso de posições e movimentos exagerados, planos de fundo comparando essa técnica especial a animais, fenômenos, etc, típicos recursos dos shounens. Isso fora as onomatopeias excessivas, flores, brilhos, tones e fundos temáticos para todo lado. É um uso sarcástico e escrachado da coisa.

Nesse ponto a obra acaba lembrando um pouco 「One-Punch Man」, também da Panini, embora a essência e tipo de comédia seja bem diferente. OPM ridiculariza e faz piada dos shounens e young seinens em si, enquanto Sakamoto utiliza as técnica para fazer graça.


Conclusão

「Sakamoto desu ga?」 não é uma obra pretensiosa ou com uma mensagem profunda, é um entretenimento inteligente e descompromissado, genuinamente engraçado. Somado ao seu tamanho modesto de 4 volumes, a série acaba sendo uma oportunidade perfeita para você conhecer e se expor um pouco mais a esse tipo de obra alternativa.

Se você der uma chance, Sakamoto pode te provar que tamanho não é documento, ou melhor, sinônimo de qualidade! Curto e despretensioso, mas com certeza imperdível. 😉

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